Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu nesta quarta-feira (19) o julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. A análise será retomada nesta quinta (20) com a leitura do voto do relator do processo, ministro Gilmar Mendes. Ele será o primeiro dos 11 ministros da Corte a votar. A decisão final depende da maioria dos votos.

Durante a sessão desta quarta, subiram à tribuna do Supremo a defesa e a acusação no processo que levou à condenação de um mecânico que assumiu ser dono de 3 gramas de maconha. Foi este episódio que levou a Suprema Corte a discutir a possibilidade de legalizar o porte de drogas no país.
Também falaram advogados de entidades que não são parte no processo, mas que se apresentaram como "amicus curiae" (amigos da Corte), com interesse em opinar sobre o assunto.
Se manifestaram seis entidades a favor da descriminalização e outras cinco contra. Em quase todas as sustentações, os advogados divergiram sobre consequências da eventual liberação do porte de drogas, principalmente sobre o aumento ou a diminuição do consumo.
O primeiro a falar na sessão foi o defensor público de São Paulo, Rafael Muneratti, que atua em nome de Francisco Benedito de Souza, condenado em 2009 a dois anos de prestação de serviços à comunidade por assumir posse de droga encontrada na cadeia onde estava preso.
No início da sustentação, ele afirmou que o uso de drogas é “praticamente inerente à natureza humana” e que a punição penal não é a melhor maneira de tratar a questão. Depois, defendeu medidas educativas e de saúde para tratar o usuário.
“O encaminhamento imediato para unidades de atendimento social, de saúde específico para tratamento para dependência resultados muito mais efetivos […] A porta da entrada para o dependente não deve mais ser a repressão, a polícia, mas sim alguém que vai lhe auxiliar, alguém que vai lhe conduzir na tentativa de resolver o seu problema”, afirmou.
Para Rosa, o objetivo da lei é proteger a saúde do usuário e da população, ao “refrear o tráfico de drogas e de atuar como instância promotora de estabilidade social”. “Consumir droga sempre causa danos. Se ilícita então, o dano pode ser irreversível”, afirmou.Em seguida, representando o Ministério Público de São Paulo, procurador-geral de Justiça do estado, Márcio Fernando Elias Rosa, se manifestou pela manutenção da condenação de Souza pelo porte de drogas. Ele afirmou que a atual legislação, de 2006, não prevê a prisão do usuário, mas somente penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade.
“A droga alimenta a violência, modifica comportamentos, financia organizações criminosas, induz a prática de crimes contra o patrimônio público e contra a vida, a dependência desnatura o homem e compromete a sua dignidade. Pode atuar como energia para a criminalidade, pode ser fator desencadeador de violência”, disse.
Também se manifestou contra a descriminalização o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ele também ressaltou que a atual Lei Antidrogas não pune o consumo, mas o porte e sem prisão da pessoa flagrada com drogas.
Citando decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, afirmou que “não existe direito constitucionalmente assegurado a uma pessoa ficar em êxtase” e argumentou que o porte “traz consigo a possibilidade de propagação de vício no meio social”. “Não afeta apenas o usuário, mas impacta a sociedade como um todo”.
Ao final, defendeu que uma eventual descriminalização pelo STF impossibilitaria o Congresso de formular políticas públicas para tratar o problema do abuso no consumo.
Entidades
A favor da descriminalização, se manifestaram a ONG Viva Rio, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Instituto Sou da Paz, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso De Psicoativos (Abesup).
A favor da manutenção da penalização, falaram representantes da Associação Dos Delegados De Polícia Do Brasil (Adepol), da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), da Central de Articulação das Entidades de Saúde (Cades), da Federação de Amor Exigente (Feae) e da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família.
Em nome do ICBCCrim, Cristiano Maronna afirmou que a descriminalização não aumentará o consumo. Ele também defendeu critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante, já que muitos que apenas portam a droga para consumo acabam condenados por tráfico. “Quem é flagrado com drogas, tem o ônus de provar que não é traficante”, explicou.
Pela Viva Rio, o advogado Pierpaolo Bottini questionou a legitimidade de usar o direito penal para conter o uso de drogas. Ele argumentou que o consumo afeta somente a vida do usuário, não prejudicando outras pessoas.
“É estranho ao direito penal qualquer ato praticado dentro da intimidade, dentro da esfera de privacidade. É o que garante que o direito penal não interfira na opção sexual, na opção religiosa, e não interfira sequer no direito de autolesão”, disse.
Falando pela Adepol, Wladimir Sergio Reale fez um histórico das leis aprovadas no Congresso que diminuíram a punição para os usuários e citou projeto em andamento que aprimora o tratamento para dependentes químicos.
Depois, defendeu maior controle do Estado sobre os usuários. “Sem controle, haverá várias consequências negativas. Sob o ponto de vista da segurança, haverá hecatombe. Certamente crescerá e muito o consumo”.
Pela Abead, Davi Azevedo também argumentou que a atual lei não visa pune de forma dura o usuário, mas busca seu tratamento e reinserção social. “As medidas ali inscritas não são de natureza penal. São medidas de reinserção social e tratamento. Por isso diz que haverá admoestação, aconselhamento. Se não há cumprimento, não acontece absolutamente nada. Não há restrição da liberdade”, disse.

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